Tenham paciência esta é longa!!!
Alguns fins-de-semana atrás acompanhei os meus pais às suas respectivas aldeias de origem. Já de regresso da aldeia materna parámos então na aldeia paterna um lugar catita chamado Teixeira (sim a terra do doce ou dos biscoitos). O passeio era obrigatório e lá fomos por entre as ruas apertadas e sinuosas da aldeia comprimentando pessoas que reconheciam facilmente os meus pais e se espantarem por os filhos estarem tão crescidos (nunca soube que eram mas também...). Continuando a nossa demanda social encontramos um senhor de nome António (tal como o meu pai) que reconheci imediatamente. É como uma celebridade na aldeia. Possui um ligeiro atraso que lhe permite comprimentar todos com um largo sorriso e palavras alegres sem que ninguém tenha a coragem de recusar tão entusiasta comprimento. Pessoa de muitas palavras também é conhecido por entreter por horas a fio qualquer desgraçado que caia sobre o seu palavreado fazendo-o desejar a morte com tiros de pistola.
De qualquer maneira, o meu pai comprimentou-o e iniciou a conversa para horror de todos os presentes que se imaginaram a "penar" durante longos momentos com as palavras da pictoresca personagem. E assim foi, meia hora depois lá estávamos nós a continuar a sorrir para António que continuava com o monólogo incessante e perguntávamos quando é que as pilhas acabavam... O fim parecia longínquo...
Lembro-me principalmente do António por ser filho de um senhor, cujo nome não me recordo, no mínimo caricato. Homem de proporções generosas, cego de um olho lembrava-me domingos em que vindos da missa ficava-mos meia hora atrás do seu carro que se movia a dez à hora no meio da estrada sem ligar às buzinadelas e insultos que lhe chegavam aos ouvidos e era impulsionador de alguns acidentes. Apenas tenho mais a dizer quando morreu toda a gente da aldeia suspirou com algum alívio pois fariam o percurso até à igreja nos dez minutos e não em meia hora.
Mas já fujo do assunto... António lá continua com as suas histórias e o meu pai sempre a dar-lhe "corda" para nosso desespero. Mas em algum momento da conversa o meu pai pergunta-lhe se ainda continua com o negócio das galinhas e dos ovos e aí é que a conversa teve o interesse que agora passo a citar:
António, pessoa algo frágil mentalmente, iniciou em 1998 um negócio da criação de galinhas e venda de ovos. Impulsionado pela mãe (que desconfio queria era tira-lo de casa para poder respirar um pouco) lá comprou umas vinte galinhas. Era muito conhecido por isso e sempre que alguém aparecia na aldeia corria ao seu encontro para vender o seu produto. Tenho de admitir eram baratos, 50 escudos a dúzia! Todos lhe compravam os ovos, uma parte por pena do pobre homem, outra porque eram realmente baratos! Isto deu a António algum dinheiro uma vez que continuava a ser a pobre senhora que financiava a ração e ele só tinha de vender os ovos e ficar com o dinheiro. Com este novo capital investiu em mais galinhas e ergueu um novo galinheiro longe de casa mas ao lado de um casal de Adventistas do Sétimo Dia chamados Amadeu e Georgina que não viram com bons olhos a "galinhada" que se avizinhava. Eram às muitas dezenas e António era uma pessoa feliz com o seu negócio. Era engraçado encontra-lo e ver o seu orgulho quando mostrava a roupa nova que tinha comprado com o seu dinheiro (desconfio que a pobre mãe nunca viu um cêntimo). Chegou a ter um velho Austin, mas desconfio que pela pericia que demonstrava deve repousar no fundo do rio!!!
Tudo andava bem com António até que a produção dos ovos começou a cair. De muitas dúzias passou para poucas e depois para uma e depois nada! As galinhas estavam velhas e António pensava nelas como seres imortais que viveriam ainda mais do que ele e nunca tinha rodado o stock. E mais espantoso só tinha um único galo para tanta fêmea e acho que o bicho teve um esgotamento e fugiu das responsabilidades morrendo!
O mundo de António ruiu. O negócio foi por água abaixo e o pobre homem viu-se com todas aquelas galinhas velhas sem ninguém que as quizesse. A mãe fartou-se! Continuava a alimentar os pobres bichos sem que nunca tivesse visto um único cêntimo. Um dia virou-se para o filho e gritou-lhe ( ao contar esta parte António grita também ): Mata os estupores dos bichos e assunto arrumado!
António deitou o assunto para detrás das costas. Não era a mãe que tratava das galinhas? Então vamos mas é até ao café beber uma bejeca e esquecer...
Um primo dele que trabalha em França chega para visitar a família. Rapaz de costumes levianos leva António para uma casota e passam uma tarde a fumar "Zanza" e ervas daninhas! Era tudo o que António precisava. Armando-se de uma coragem só possível com algo a circular nas veias que não sangue corre acompanhado pelo primo até casa, pega na caçadeira do pai e corre até ao galinheiro. Disparam à vez. Um entra no galinheiro e espanta os bichos até ao pátio onde o segundo dispara. Foi um massacre. Os tiros ouviram-se por toda a aldeia, alertando todos que ouvindo aquela chuva de fogo pensaram que finalmente Espanha nos invadira. António continua a sua saga e mata quantos consegue. Pelo canto do olho vê Amadeu e Georgina que espreitam pela janela com olhos aterrados. Não quis saber. O seu propósito é aniquilar os bichos e assim o faz após longas horas de tiroteio. Nem uma ficou para contar a história, pois quando acabaram as munições torciam os pescoços dos bichos. Olha novamente para a janela e repara nas cortinas fechadas...
Conclusões desta longa novela:
- Ele e o primo foram assistidos no Hospital com muitos ferimentos de chumbo mas com um sorrisos de orelha a orelha e sensação de dever cumprido!
A minha família ouviu esta história sem sequer pestanejar. O massacre das galinhas é agora história da aldeia com direito a repetição e direitos de autor. Quanto a Georgina e Amadeu saíram da aldeia para destino incerto...
O que mais me impressionou foi que António planeia voltar a montar o seu negócio só que agora o galinheiro é mesmo ao lado da casa dos meus avós!!! Dificilmente voltarei lá...
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